Em 1985 uma mÃE deu à luz uma filha de quem estava prenhe já de muitos anos, resultado de uma gravidez muito esquisita.
No início, nos primeiros meses, este estranho parto não as distinguia, tal a forma como estavam entrelaçadas física e mentalmente de uma forma tão viscosa que nunca chegaria a desaparecer. A mÃE, era de Lisboa e mandou-a fazer a vida para Faro e depois também para o Funchal.
Controlava-lhe os amigos, as relações e os sítios onde podia ir. Se à partida se pode calcular que a mÃE protegia a filha, ao longo do tempo viria-se a verificar que esta mÃE nada fez desinteressadamente, nem o facto de a ter parido.
O objectivo, veio depois a saber-se, era tudo menos inocente: o enriquecimento da mÃE e dos tios ricos da filha.
A mÃE, à medida que a filha ia crescendo, controlava-lhe todos os passos. Escolhia os Amigos e arranjava-lhe ao mesmo tempo uns tios de temperamento e de intenções duvidosas, que lhe davam uns trocos, pensando desde logo na forma de depois o reaver com lucros.
A maior parte dos Amigos, Homens e Mulheres, todos eles muito jovens, na sua maioria entre os 20 e os 30 anos, acreditavam nela e eram realmente verdadeiros Amigos. De tal forma, que muitas vezes, sem qualquer interesse que não fosse o de a ver bem, agradada, com um futuro risonho e sem dificuldades, punham a sua própria vida pessoal em segundo plano. Não se furtavam a sacrifícios que lhe fossem pedidos, simplesmente porque acreditavam nela cegamente e o bem estar dela, era o seu próprio bem estar. Eram felizes assim, também iludidos pela mensagem que a mÃE lhes tinha passado.
Os anos foram passando e parecia que tudo isto estava a dar resultado. Embora a mÃE nunca a deixasse esticar-se demasiado nos seus objectivos, a prosperidade parecia, à primeira vista estar instalada. Tudo resultado dos seus incondicionais Amigos, que de ano para ano a viam crescer viçosa. Constituíam um grupo coeso, capaz de vestir e despir a camisola pela filha da mÃE. Aliás, mesmo quando a despiam, as cores ficavam bem gravadas na pele, na carne, nas entranhas...
Em 1990 uma guerra surgiu no mundo. No Golfo Pérsico a ambição desmesurada pelo poder tinha levado a que o Iraque invadisse o Koweit.
Com tantas injustiças pelo mundo fora e com situações humanitárias inimagináveis, esta especialmente não seria tolerada pelos países ocidentais. O controlo de uma das zonas de maior produção de petróleo estava em risco de se perder. O “interesse” dos países ocidentais nos direitos do povo do Koweit não era de todo altruísta e muito menos “desinteressado”.
Em poucos meses, entre Agosto de 1990 e Abril de 1991, uma coligação de países ocidentais, com os Estados Unidos e a Inglaterra à cabeça, levou de vencida esta disputa sobre o Iraque.
Quando se julgava que a paz estava de volta, outras crises foram surgindo, como por exemplo a da antiga Jugoslávia.
Embora nunca se tivesse notado que a filha tinha sentido essa crise, e até o aumento do preço do petróleo decorrente desses conflitos, os tios arranjados pela mÃE, cobiçaram-na e quiseram-na arrancar ás garras da mÃE. Viram que a miúda tinha futuro, que se aguentava ás broncas e que até era capaz de prosperar.
O que ela fazia era voar e levar os seus verdadeiros Amigos com ela. Voavam e sonhavam com ela. Todos os anos os números foram aumentando. O de aviões, o de horas voadas e o de passageiros. Crise, diziam a mÃE e os tios. Os Amigos riam-se e não acreditavam no que os grandes diziam. Estavam demasiado ocupados em seguir o seu sonho e apaparicar a filha da mÃE.
Os tios continuavam a azucrinar a cabeça da mÃE. Queriam a filha só para eles. Queriam fazer com ela o que lhes apetecesse, sem ser preciso a sua bênção.
Tanto fizeram a cabeça da mÃE, que esta num ímpeto frio e calculista, decidiu matar a filha, até com a conivência dos tios. Então, pensava a mÃE, tinha criado uma filha para ser a sua maior concorrente? Não podia ser!
O tempo era de crise e não tinha dinheiro para enfrentar uma filha emancipada. Os custos da vida independente da filha podiam-na até matar! Ainda por cima, a Europa tinha prometido uma fortuna à mÃE, se ela se visse livre de todas as filhas e enteadas, e fizesse um regimezinho para emagrecer. O prémio seriam 180 milhões de contos, de um fundo comunitário, chamado PESEF. Algo verdadeiramente irrecusável!
Disse a mÃE que não podia comportar os “prejuízos” da filha. Que os tempos eram de crise e que iriam piorar. Por isso, desavergonhadamente, como uma uma Mãe nunca faria à filha, atraiçoou-a a ela e aos seus Amigos, matando-a a ela e despejando-os a eles, no maior despeito em Abril de 1993.
Nunca houve tantos primos estrangeiros a ir aos sítios onde a filha ia como depois de ela morrer.
Ficou a mÃE com toda a riqueza da filha. Os amigos da mÃE fizeram tudo o que os Amigos da filha iriam fazer nesses tempos mais próximos. Não sendo nem de perto tão incondicionais amigos da mÃE, como os da filha eram em relação a esta última, apenas se limitavam a cumprir ordens, não por amor à mÃE, mas porque era assim que tinha de ser.
Os tios ricos também não ficaram a perder, cumplices no assassinato da sobrinha, receberam todo o seu investimento de volta, com mais valias, para não falarem na verdadeira natureza do crime. Nos anos seguintes todos os tios ricos prosperaram, uns mais que outros, chegando um deles, por exemplo, a expandir um império hoteleiro.
Os Amigos da filha, esses, que durante anos acreditaram num projecto, deitados fora, como material usado, acreditaram que recorrer aos tribunais era o caminho a seguir.
Mal acreditariam na altura se lhes fosse dito que seriam 16 anos de tribunais.
No entanto ganharam em toda a linha no Tribunal do Trabalho, passados 14 anos.
Passados 15, no Tribunal da Relação, só o que não quis nada da mÃE, ganhou.
Passados 16, a mÃE, que teve, tem, e sempre terá amigos poderosos, todos conseguiu arrasar, destruindo a crença no sonho, de que é possível reparar uma injustiça, uma pulhice.
Como diz António Lobo Antunes: “O que me assusta, é qualquer pessoa estar sujeita a crituras medíocres, sem possibilidade de reparar a pulhice”.
Os que nada esperam, nunca serão desiludidos.